FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO POLÍTICAS
DIREITO ADMINISTRATIVO
PROFESSOR DOUTOR VASCO PEREIRA DA SILVA
ALUNA: JÚLIA ALEXIM NUNES DA SILVA
1. Introdução
Este breve projeto pretende apresentar, ainda que de forma ainda bastante introdutória e preliminar, o tema que será objeto da pesquisa desenvolvida na disciplina de Direito Administrativo, no ano letivo de 2008-2009. O objetivo é, desde já, expor o tema, as principais questões, a metodologia que será adotada e um primeiro conjunto de referências bibliográficas.
2. Tema e Objetivos
O tema que será tratado pode ser definido de forma ampla como: a preservação do patrimônio cultural na perspectiva do direito administrativo sem fronteiras. Isto quer dizer que o trabalho pretende analisar como diferentes ordenamentos, de diferentes países, regulam a proteção e a valorização do patrimônio cultural. Serão comparadas as legislações francesa, brasileira e portuguesa, com a pretensão de identificar suas semelhanças e diferenças e buscar, nestas semelhanças e diferenças, um conjunto de soluções legislativas adequadas para os problemas e dificuldades que os diferentes Estados enfrentam na implementação de políticas de preservação e valorização de bens culturais.
Para além da análise comparativa das legislações nacionais, é indispensável o estudo de convenções internacionais que tem por objeto a proteção do patrimônio cultural. Primeiro porque a internacionalização da proteção merece, por si só, ser estudada, na medida em que representa uma mudança ou deslocamento do conceito de de patrimônio cultural do léxico nacionalista para uma percepção internacionalista que permite a construção da noção de Patrimônio da Humanidade. Além disso, um estudo que se dedicasse tão somente a comparar as legislações internas dos Estados seria incompleto, dado que deixaria de levar em consideração a influência dos tratados internacionais nestas mesmas legislações e nas políticas públicas nacionais. Assim, o intuito é perceber, quais transformações foram ou podem ser causadas, nas políticas culturais de cada Estado, pelas normas de tratados internacionais e quais as questões que se apresentam a partir daí.
3. Perspectiva (ou Premissa) Teórica
O primeiro problema e, diga-se de passagem, um problema fundamental, a ser enfrentado neste trabalho é o da natureza jurídica do direito ao patrimônio. É necessário determinar qual é esta natureza, o que ela implica e se é possível identificar a mesma natureza em todos os ordenamentos que serão analisados ao longo da pesquisa. A resposta definitiva a estas questões estará, sem dúvida, presente na conclusão deste trabalho. Apesar de estas questões permanecerem em aberto, é preciso, desde logo, esclarecer que a premissa teórica de que se parte é de que o direito ao patrimônio (seja ele um direito subjetivo, um dever, um interesse coletivo, um direito difuso ou uma combinação dessas diferentes categorias) é elemento de um direito à cultura. Tal direito engloba, ao mesmo tempo: direitos, liberdade e garantias e direitos prestacionais ou sociais. Estes últimos expressos na forma de um dever do Estado. Assim, é com fundamento no pressuposto de que o direito à cultura tem esta “dupla face” e na premissa de que o patrimônio cultural é um dos elementos deste direito, também afetado por esta natureza dúplice que o direito do patrimônio será estudado neste trabalho.
4. Os Parâmetros de Comparação
Tendo em conta que um trabalho que pretenda comparar legislações nacionais e tratados internacionais em todos os seus aspectos , de forma indiscriminada, seria, muito provavelmente, de uma grandiosidade improdutiva, optamos por selecionar alguns parâmetros principais que serão objeto da comparação.
4.1 Histórico:
O trabalho irá conter um histórico da gênese e das transformações das normas constitucionais, diplomas legais e tratados internacionais analisados. Um histórico não constitui, em termos mais rigorosos, um parâmetro de comparação, mas ele deve preceder a comparação propriamente dita. Trata-se, com efeito, de tentar situar cada norma que será confrontada com outras em um contexto próprio, o que é essencial não apenas para a compreensão da norma em si, como também para o enriquecimento do contraponto de uma norma com outras.
Logo a primeira vista, percebe-se a diferença entre França, Portugal e Brasil com relação ao nascimento da preocupação com a preservação de bens culturais em cada um destes países. Na França, o conceito de patrimônio cultural nacional surge após a Revolução Francesa e atende à necessidade de dar aos bens que haviam sido confiscados dos nobres durante a revolução um novo significado que não o de propriedade da nobreza, para evitar que eles fossem destruídos. Portugal, por sua vez, começa a se ocupar da preservação de bens culturais no século XIX, seguindo uma tendência européia. Já o Brasil segue um percurso bastante peculiar, dado que – exceto por uma pouco expressiva movimentação estatal no sentido da preservação de bens móveis em museus – o tema só ocupa a agenda do Estado nos anos 30, em especial, no período autoritário do Estado Novo. Igualmente diverso é o contexto das convenções internacionais, posteriores à segunda guerra mundial.
4.2 A Definição de Bens Culturais
O primeiro parâmetro de comparação será, então, a definição de bens culturais em cada um dos ordenamentos jurídicos e tratados. O objetivo é delimitar como cada legislação define o que são bens culturais e determina o que deve ou não ser objeto de proteção estatal ou internacional. Aqui, surge uma questão secundária, mas que merece atenção, a de perceber se os estados que protegem o patrimônio cultural e o patrimônio natural de forma conjunta, em uma única previsão legislativa, estão, ou não, aproximando o direito do patrimônio cultural do direito do ambiente, questão esta, que este trabalho pretende responder. Surge também uma questão de suma importância, qual seja, a de perceber se já existiu e também se existe, ainda hoje, um vínculo entre a definição de bens culturais ou de patrimônio cultural e a idéia de patrimônio ou cultura nacional. Desde já adiantamos que, no nosso entender, este vínculo já existiu, mas foi superado e que, na atualidade, o que interessa é saber como cada Constituição democrática superou esta vinculação entre a cultura e o nacionalismo e qual foi o papel exercido pelo direito internacional neste processo de superação.
4.3 O Dever do Estado na Proteção e Promoção do Patrimônio Cultural
Parte do estudo desenvolvido ao longo do ano letivo em curso será dedicado a comparar como cada ordenamento e como os tratados internacionais estabelecem deveres para os respectivos Estados, ou para a Administração Pública, referentes a preservação e promoção do patrimônio cultural. Será dada especial atenção às previsões constitucionais, com o intuito de perceber até onde os atos do legislador ordinário e da Administração Pública são pautados e determinados pelo texto constitucional e até onde o legislador e a administração têm liberdade para agir no cumprimento dos referidos deveres. Em outras palavras, o problema é saber quais as legislações e quais as políticas públicas são constitucionalmente adequadas.
4.4 Os Sistemas de Proteção e a Propriedade Privada
O segundo parâmetro de comparação adotado neste trabalho será o sistema de proteção do patrimônio cultural. Portugal e França adotam o sistema da classificação, resta saber se ao nome comum correspondem outras semelhanças. No Brasil, o tombamento é o instituto que, embora não seja o único, é por excelência o meio de preservação de bens culturais. As Convenções da Unesco adotam o sistema da categorização. O objetivo é comparar os regimes e perceber vantagens e desvantagens, adequações e inadequações em cada um deles.
Outra questão que deriva da comparação dos sistemas de proteção é a de saber como, em cada um desses sistemas, a classificação, o tombamento ou a categorização de um bem intervém na propriedade privada e, a partir desta intervenção, quais são os deveres do Estado e quais são as obrigações do proprietário do bem protegido. Daí surge uma questão inevitável que é a de saber quando a intervenção na propriedade privada é legítima e, no que se refere aos ordenamentos internos dos Estados, quando que ela é constitucional.
4.5 A Seleção dos Bens Culturais: O Que Compõe e o Que Não Compõe o Patrimônio Cultural
A seleção dos bens culturais será o último critério de comparação abordado neste trabalho. O problema, quanto a este parâmetro, é saber, em cada ordenamento ou tratado, quem (ou qual órgão) determina quais bens serão objeto de proteção por constituírem patrimônio cultural e quais não fazem jus a esta qualificação e, também, como que esta decisão é tomada. Tudo isso, para ao fim podermos refletir se a forma de seleção desses bens é democrática. Ou seja, se a atuação da administração pública (ou das entidades internacionais), na classificação, tombamento ou categorização destes bens, ao fim e ao cabo, reflete um sentimento coletivo de pertencimento a uma determinada história ou cultura. Melhor ainda, para não falarmos em uma história ou cultura únicas, dado que já se sabe que a primeira tem várias versões e a segunda é necessariamente diversa, podemos dizer que: o objetivo é perceber se a atuação dos órgãos públicos e entidades internacionais privilegia a diversidade cultural e a pluralidade.
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008
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